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15 de abril de 2011

O caso de Realengo: assassino em massa tipo pseudocomando - Parte II


Leia a Parte I - CLIQUE AQUI

Uma característica que parece ser comum a estes casos é que o assassino do tipo pseudocomando possui uma grave fragilidade egóica e, para manter seu ego preservado, nutre uma raiva destrutiva em relação ao outro que eventualmente o transforma num vingador. Esta raiva vingativa lhe dá uma falsa sensação de poder (pseudopower), pois é tão somente uma reação de intolerância diante do seu fracasso e humilhação. Porém, quando esta é a única defesa do indivíduo contra a aniquilação de sua identidade, só lhe resta persistir na incessante denunciação da injustiça. Para alguns este é um caminho sem volta, porque existe uma honra perversa em recusar que a injustiça seja corrigida ou reparada, como se render-se à realidade significasse desistir de sua identidade (ou da falta dela) e isto é para ele intolerável.

A literatura a respeito da psicologia da vingança nos mostra que existe um elevado conteúdo emocional de ódio e medo e este medo pode resultar facilmente em paranóia. A raiva extremada pode afetar a atenção da pessoa a ponto dela ter dificuldade de pensar em outras coisas que não na vingança. Isso gera um ciclo vicioso, pois quanto mais ela pensa, mais raivosa e menos capaz de pensar em outra coisa ela fica. Portanto, a fantasia de vingança do assassino do tipo pseudocomando impede que ele possa utilizar outras estratégias capazes de desviar seu pensamento e suas atitudes para outra coisa. A fantasia de vingança é inflexível e persistente, porque ele precisa desesperadamente sustentar sua auto-estima. Ele é capaz de se sentir melhor e mais controlado enquanto rumina e finalmente planeja a vingança. A fantasia leva o vingador a experimentar prazer em imaginar o sofrimento dos seus alvos e orgulho por se sentir parte de uma espécie de “justiça maior espiritual”. A fantasia de vingança é uma falsa promessa de um remédio poderoso para seu ego despedaçado, dando-lhe uma ilusão de força e de que o auto-controle e a coerência interna foram restabelecidos.

Dietz descreveu esses indivíduos como “colecionadores de injustiça” que se agarram a cada insulto, acumulando uma pilha de evidências de que foram brutalmente maltratados. Esta é uma maneira deles sustentarem a vingança, reunindo provas contra os “inimigos” e nutrindo uma raiva impiedosa. Muitos tiveram uma história de infância de abandono e esta pode ser uma das explicações para a dificuldade de confiar no outro, tornando-os adultos com caráter paranóico. Supõe-se, em função disso, que eles tiveram problemas no desenvolvimento psicológico durante a infância que os fixaram num estágio persecutório (posição esquizo-paranóica). Neste estágio, a maior parte das percepções do mundo é baseada em sentimentos de frustração e maus-tratos e é encarada como ofensa intencional ou negação proposital de gratificação. Por isso, é comum que esses assassinos possuam sintomas de paranóia, que inflam seus sentimentos de inveja destrutiva. Eles não invejam o que o outro tem (como bens, roupas, etc) ou o status social, mas como o outro aproveita essas coisas. Portanto, o objetivo é destruir a capacidade do outro apreciar o que tem.

Com o passar dos anos esses indivíduos desenvolvem um sentimento crônico de perseguição que acaba por gerar uma atitude niilista que penetra seus conceitos sobre tratamento e sobre a vida em geral. O fato de não encontrar um significado na vida leva a sentimentos de desesperança, derrota pessoal e idéias suicidas, tornando-os menos capazes de aceitar ajuda externa e menos motivados a controlar o comportamento. Neste ponto o risco de suicídio e de comportamentos auto-destrutivos são maiores. A “teoria da fuga” (escape theory) do suicídio revela que, quando o indivíduo é incapaz de evitar afetos negativos e a auto-consciência aversiva e dolorosa, ocorre um processo de “desconstrução cognitiva” que leva à irracionalidade e à desinibição. O suicídio é, então, o último passo possível para escapar da consciência e de sua implicação para o ego.

No caso do assassino do tipo pseudocomando, trabalhar a consciência dos seus reais atributos sob uma tempestade de idéias persecutórias e afetos negativos é um tormento. Contemplar abertamente seus atributos seria um suicídio sem fim, uma agressão da realidade combinada por seus próprios ataques persecutórios. Sua existência passa a ser uma autodestruição progressiva. Ele precisa, então, de um santuário mental contra o niilismo opressivo que tomou conta de si. Ele se torna incapaz de retroceder de sua vingança “heroicamente” planejada. Ele vai chegando perto de tornar sua fantasia realidade e passa por um processo de aceitar que terá que sacrificar a própria vida. Seus pensamentos catastróficos o levam a acreditar que um homicídio-suicídio é sua única opção e suas atitudes o levam a sentir como se seu “eu” já estivesse morto – a morte do corpo físico é uma simples conseqüência inevitável. Isto elimina completamente qualquer possibilidade de encontrar um sentido para a vida.

Uma vez decidido a se sacrificar, o assassino traz suas fantasias de vingança à luz da realidade e formula suas comunicações finais. Essas comunicações têm um grande significado para ele, pois ele sabe que elas serão o único testamento vivo deixado por ele. O objetivo é que todos possam ter conhecimento das motivações de seu “sacrifício heróico”. Dois fatores que tornam este tipo de assassino único são: acesso às armas potentes e automáticas e a glorificação do fenômeno pela mídia.

Fonte de consulta: The "Pseudocommando" Mass Murderer: Part I, The Psychology of Revenge and Obliteration - James L. Knoll, IV, MD - J Am Acad Psychiatry Law 38:1:87-94 (2010)

14 de abril de 2011

Jornal O Povo do Rio: tragédias como a de Realengo podem ser evitadas.

Estou publicando a página do Jornal O Povo do Rio para que vocês possam ler a matéria do jornalista Felipe Martins, "Trabalho de prevenção nas escolas pode evitar outras tragédias", com o que acredito ser fundamental aprendermos a partir desta tragédia. É preciso ter um olhar mais atento ao desenvolvimento emocional e social de nossas crianças, aprendendo e ensinando a acolher as diferenças.






http://www.jornalpovo.com/paginas/pag03/imagem.htm

13 de abril de 2011

O caso de Realengo: assassino em massa tipo pseudocomando - Parte I


Descobri um artigo publicado em 2010 no Journal of The American Academy of Psychiatry and Law que traz muitas informações pertinentes ao caso da chacina de Realengo e das possíveis motivações do assassino. Confesso que fico um pouco incomodado com a rápida conclusão de que o assassino era esquizofrênico (que vem sendo veiculado pela mídia e por alguns psiquiatras). Na minha opinião existem algumas evidências que apontam para este diagnóstico, mas existem outras que não fecham. Reduzir um ato desta monstruosidade à doença mental seria leviano, pois a imensa maioria dos pacientes não são violentos e jamais seriam capazes disso. A sociedade já teme a doença mental naturalmente, o estigma da violência é um dos mais comuns. Temo que conclusões precipitadas possam contribuir ainda mais para o preconceito.


Decidi então colaborar com algumas informações da literatura médica que transcrevo abaixo e deixo que cada um possa tirar suas conclusões.


Assassinos em Massa "Pseudocomando": A psicologia da vingança e da obliteração, Parte I


O termo pseudocomando foi utilizado por Dietz em 1986 para descrever um tipo de assassino em massa que planeja sua ação após longo período de deliberação. O assassino tipo pseudocomando mata em público, de forma indiscriminada e à luz do dia, mas também pode matar familiares ou uma “pseudocomunidade” que ele acredita tê-lo maltratado. Ele chega ao local fortemente armado, geralmente com roupa camuflada ou de guerra e não possui um plano de fuga, suicidando-se ou sendo alvejado pela polícia (algumas vezes provocam a reação da polícia, também conhecido por suicídio através de policiais).


Mullen descreveu sua avaliação pessoal de cinco assassinos em massa do tipo pseudocomando que foram capturados antes de conseguirem se matar ou serem mortos pela polícia. Ele notou que os massacres eram sempre bem planejados e tinham uma motivação pessoal de vingança contra a “indiferença e a rejeição da sociedade”, caracterizando os assassinos como pessoas rancorosas, desconfiadas (paranóicas) e com forte atração por armas de fogo.


O fenômeno homicídio-suicídio é quando um indivíduo comete homicídio seguido de suicídio em não mais do que 24 horas de intervalo. É um evento raro, que ocorre anualmente em 0,2 a 0,38 casos por 100 mil pessoas. A maior parte dos homicídios-suicídios são cuidadosamente planejados como atos seqüenciais e podem ter diferentes vítimas e motivações. O homicídio-suicídio do tipo adverso (extra-familiar) envolve ex-empregados, estudantes vítimas de bullying ou uma pessoa ressentida e paranóica. Ela culpa os outros e se sente prejudicada de alguma forma, geralmente tem depressão e traços paranóides e/ou narcisistas, podendo eventualmente apresentar delírios persecutórios.


Os assassinos em massa do tipo pseudocomando, descritos por Dietz e Mullen, enquadram-se melhor nesta categoria de homicídio-suicídio. É considerado assassino tipo pseudocomando o criminoso que faz ao menos quatro vítimas num único evento e depois se mata ou é morto. A literatura médica não encontrou ainda uma ligação forte entre assassinatos em massa e doença mental grave, exceto para doenças como depressão, mas psicose parece ser rara.


Mullen descreveu alguns traços de personalidade e alguns fatores da história que essas pessoas possuem em comum:


• quando crianças eram isolados ou sofriam bullying, tornando-se solitários e desesperados de serem excluídos socialmente;


• geralmente são desconfiados, guardam ressentimentos e rancores e têm traços obsessivos, rígidos, narcisistas e de grandiosidade;


• vêem os outros como rejeitadores e indiferentes, em função disso passam grande parte do tempo ressentidos e ruminando humilhações passadas;


• essas ruminações invariavelmente levam a fantasias sobre vinganças violentas. Mullen observou que os assassinos atingiam um estado em que sentiam a morte como bem-vinda, percebendo que ela traria fama e uma aura de poder que não tinham.


Leia a Parte 2 - CLIQUE AQUI

8 de abril de 2011

O perfil do assassino de Realengo



O massacre da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro (07/04/11) provocou grande comoção nacional e repercutiu no mundo todo. A perplexidade diante das mortes violentas de crianças e adolescentes provoca um sentimento coletivo de indignação e incompreensão. A primeira pergunta que se faz é o que teria motivado esta barbárie? Seria o assassino um terrorista, um serial-killer ou um doente mental?


Quando apareceram os primeiros indícios da motivação para o crime, como a carta deixada pelo assassino, Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos de idade e ex-aluno da escola, e alguns depoimentos de amigos e familiares, a tese de que ele poderia ter um desequilíbrio emocional prevaleceu. Mas seria possível e razoável afirmarmos que Wellington possuia uma doença mental?



A carta deixada por ele antes de matar 12 adolescentes na escola e depois se suicidar deixa claro que tudo foi metodicamente planejado. Ele já sabia que faria várias vítimas e que depois terminaria com a própria vida. A maneira como executou seu plano macabro também revela que houve preparo e treinamento, pois demonstrou ter habilidades com arma de fogo, tinha duas pistolas calibre 38 e carregadores que o permitiam carregá-las rapidamente. A polícia apurou que houve em torno de 59 disparos em 3 ou 4 minutos de ação, até que fosse baleado por um policial militar e se matasse com um tiro na cabeça.


Uma mensagem deixada por um anônimo numa comunidade do Orkut uma semana antes anunciava que haveria uma chacina em uma escola municipal que faria as pessoas lembrar de Columbine, nos EUA.


Estas evidências demonstram a intenção assassina de Wellington, que, na mesma mensagem do Orkut, justificava se vingar das pessoas que dele bulinaram naquela mesma escola. As vítimas, porém, eram dez anos mais novas que ele.


Que Wellington possivelmente estava transtornado e mentalmente desequilibrado não há dúvida. Porém, não se pode afirmar que ele estivesse com alguma doença mental. Isto somente poderia ser confirmado através do exame psíquico do assassino. Mas em tese e diante do que já foi noticiado na mídia é possível levantar algumas hipóteses.


Na carta deixada por ele, Wellington deixa transparecer idéias religiosas e sexuais. Pede para ser lavado e envolto despido em um pano branco que trazia consigo na mochila, mas que ele não fosse tocado sem luvas por pessoas impuras ou adúlteras, apenas por pessoas castas ou que perderam sua castidade após o casamento. "Nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem a sua permissão." É possível que o assassino tivesse conflitos sexuais ou passado por traumas sexuais em sua infância ou juventude que influenciaram sua personalidade.


A referência a bullying na escola também é relevante, uma vez que o bullying está relacionado com diversos problemas mentais e da personalidade na vida adulta. Nos crimes semelhantes a este que ocorreram nos EUA, o bullying estava presente na maioria dos assassinos. Eles também tinham uma atitude mais reservada e introspectiva, como a de Wellington, segundo consta de alguns relatos de familiares e amigos do assassino (perfil que também está associado a maior ocorrência de bullying).


Este temperamento mais retraído e de isolamento social, entretanto, não justifica a atitude de Wellington, afinal este temperamento é comum em outras pessoas e não está relacionado a atitudes violentas. Porém, o fato de não ser uma pessoa que se vincula afetivamente a outra, pode fazê-lo menos temeroso quanto a atos homicidas ou suicidas. Na prática clínica vemos o quanto ter pessoas amadas, como pais e filhos, evita um ato suicida, por exemplo.


A morte da mãe adotiva no ano passado, que parece ter sido uma referência importante em sua vida (ele foi adotado ainda criança), pode ter sido um ingrediente explosivo desta trama que provavelmente já se desenhava em sua mente. Há relatos de que após a morte da mãe adotiva o comportamento de Wellington mudou e ele passou a adotar uma outra aparência, vestindo roupas pretas e usando barba grande. Ele pode ter perdido uma das poucas referências afetivas de sua vida e tornado-se mais corajoso para o ato que planejava.


Existem relatos de que a mãe biológica de Wellington sofria de algum transtorno mental, que teria sido internada e que teria tentado o suicidio em algum momento de sua vida. Há outros relatos que dão conta de que ela poderia ter esquizofrenia. Sabemos que as doenças mentais em geral possuem uma carga genética, embora ter um pai ou uma mãe doente não signifique que necessariamente o filho também adoecerá. Esta carga genética não é específica para a doença A, B ou C, mas determina a vulnerabilidade da pessoa, que diante do estresse e traumas da vida pode desencadear um transtorno mental (ao menos é isto que a ciência nos permite afirmar atualmente). Os fatores ambientais, portanto, possuem um peso importante, podendo ser responsáveis por metade do risco de doença. Porém, ter uma predisposição genética poderia ser um fator facilitador de um transtorno na vida adulta, principalmente diante dos fatores psicossociais que já abordamos.


Isto não significa que Wellington pudesse ter esquizofrenia. Particularmente acho esta hipótese pouco provável, pois um indivíduo esquizofrênico não teria a capacidade de organização e pragmatismo para arquitetar todo este plano homicida. A esquizofrenia acomete diversos aspectos diferentes do psiquismo da pessoa e costuma provocar uma desagregação do comportamento, do pensamento e das emoções. Caso ele fosse esquizofrênico, certamente daria sinais claros da doença muito antes de ser capaz de um ato deste.


Existem outras hipóteses mais prováveis, como um transtorno de personalidade esquizóide (que explicaria o seu retraimento, dificuldades sociais e excentricidades) ou anti-social (psicopatia). É possível também que ele estivesse sob efeito de drogas (embora isto também não explique um comportamento como este). Todavia é importante frisar que nenhuma patologia mental seria suficientemente capaz de explicar um ato desta monstruosidade.


Embora seja muito difícil traçar um perfil psicológico do assassino e dizer qual a provável patologia por trás deste massacre, devemos alertar a sociedade para alguns pontos que julgo importantes neste caso: o bullying nas escolas, o papel da família e das referências afetivas para a constituição da personalidade da pessoa em formação, o acesso aos serviços de saúde mental, seja a partir da escola ou das famílias que percebem problemas psicológicos em seus membros e a facilidade com que se consegue armas e munição em nosso país.


Por fim, me vejo no papel de alertar para o preconceito que já existe contra aqueles que sofrem de transtornos mentais. Estudos no mundo inteiro comprovam que doentes mentais não são mais violentos do que pessoas saudáveis, que é muito mais comum um paciente ser vítima do que algoz de algum tipo de violência.


Não vamos depositar nosso desconforto de cogitar que um ser humano possa ser capaz de tamanha atrocidade na conta dos doentes mentais, pois eles não merecem isso!